A narrativa da letalidade da população negra brasileira – baseada em (fatos) dados reais

O Dia da Consciência Negra é celebrado no dia 20 de novembro. A data instituída pela lei no.12.519 de 10 de novembro de 2011, em memória à morte de Zumbi dos Palmares, o reivindica como liderança de resistência negra no contexto colonial e escravocrata brasileiro, reafirmando a importância da população negra para a conformação da identidade cultural, social e econômica do país.

Ao considerarmos que consciência está relacionada à nossa capacidade de compreensão do mundo e de nós mesmos em diferentes aspectos, é necessário realizar movimentos em direção ao que chamamos de tomada de consciência. Corriqueiramente dizemos que determinado evento nos trouxe à consciência. Mas, o que é capaz de nos trazer à consciência? O que é capaz de adensar em cada uma de nós conhecimentos e percepções de nossa vida e do mundo? Há 7 anos atuando dentre outras frentes, com diagnósticos e avaliações de projetos e políticas sociais, a Move pode afirmar que os dados e as estatísticas são uma bela forma de nos trazer à consciência. Eles apresentam de maneira objetiva uma parte da realidade, não sua totalidade, mas quando construídos a partir de parâmetros de equidade, têm capacidade de problematizar a experiência dos diferentes indivíduos que compõem um grupo, uma sociedade, possibilitando assim a construção de narrativas acerca de um objeto.

Dito isso, nada mais justo do que trazermos à consciência de quem lê este texto, qual é a realidade experienciada pela população negra deste país.

Os dados do Atlas da Violência de 2017 revelaram que a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência.

De 2006 a 2016, enquanto a taxa de homicídios por 100 mil habitantes teve queda de 6,8% entre os não negros, para os negros houve aumento de 23,1%. Em 2016 a morte decorrente de intervenções policiais destaca que 76,2% das vítimas de atuação da polícia são negras.

Por fim, ao adotarmos um recorte de gênero, percebemos que a situação entre as mulheres negras tem piorado sistematicamente. Enquanto a mortalidade de não-negras apresentou queda de 8% entre 2006 e 2016, entre as mulheres negras o índice subiu 15,6%. Em 2016, a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior em relação às mulheres não-negras.

O cenário acima traçado traz evidências incontestáveis da desigualdade racial brasileira que tem na letalidade da população negra sua faceta mais cruel. A narrativa construída aqui é de morte. Entretanto, os dados por si só não são capazes de mudar uma realidade, eles a ilustram, porém é preciso que, a partir das leituras que eles permitem, sejam traçados caminhos e possibilidades na superação das lacunas identificadas.

Em tempos onde as organizações buscam, cada vez mais, tomar decisões baseadas em dados, ao tomarmos contato com o contexto da população negra acima exposto, fica explícito que não é pela ausência de dados e estatísticas que os organizações brasileiras públicas e privadas se furtam do combate ao racismo.

No dia da Consciência Negra, é preciso que nos perguntemos sobre qual é nosso compromisso com a reconstrução desta narrativa, ainda que a conjuntura atual não permita, ainda que os movimentos sejam restritos, ainda que as pautas minoritárias sejam constantemente atacadas e as políticas de ações afirmativas, sistematicamente questionadas, pois o compromisso aqui é urgente para que a narrativa letal dê lugar à vida de milhões de brasileiros e brasileiras negros e negras.

Por Walquíria Tibúrcio, consultora da Move